O conceito de vento aparente é muito simples mas ainda assim de difícil compreensão mesmo entre os velejadores mais experientes. Trata-se da combinação de dois ventos: o vento gerado pelo movimento do barco e o vento gerado pela natureza (vento real). Assim, o vento aparente é o vento que se sente no convés do barco. Todos os indicadores que utilizamos no barco, as “fitinhas”, a “girouette” ou o fumo de um cachimbo indicam a direcção do vento aparente. É frequente ouvir, de quem veleja pela primeira vez, o comentário que “diz que estamos a fazer 40º com o vento, mas as fitinhas nos brandais indicam que estamos de frente para o vento”. Esta é a primeira experiência com o vento aparente.
Imagine que está de pé num carro descapotável. Está um dia calmo e não há qualquer vento real. À medida que o carro arranca, começa a sentir uma brisa na cara que aumenta à medida que a velocidade do carro aumenta. A 10Kmh sentirá uma brisa de 10Kmh na sua cara. Este é o vento aparente.
Agora imagine que o carro está a viajar para norte mas que sopra um vento Este de 10Kmh. Este vento bate na sua face direita e designa-se por vento real. À medida que o carro arranca sentirá dois tipos de vento vindos de frente e do seu lado direito. Mas o que na realidade sente é um vento resultante da combinação dos dois e que apresenta um ângulo menor que o do vento real. Aquilo que está a sentir na cara é o vento aparente. Se desenharmos um esquema vetorial representando a velocidade do barco e a velocidade do vento real podemos obter a força e direcção do vento aparente.
Digamos que o barco veleja com um ângulo de 40º com o vento real. Se a velocidade do barco for de 6 nós e a velocidade do vento real de 12 nós (o dobro) então para obtermos a direcção e força do vento aparente basta desenhar a diagonal que soma os dois ventos originais (soma vectorial).
Neste exemplo, o vento aparente atinge 17 nós e apresenta um ângulo de 27º por comparação ao ângulo de 40º com o vento real.
Há quatro pontos a reter nos diagramas abaixo apresentados. Em primeiro lugar o vento aparente está sempre “à frente” do vento real (excepto nos casos extremos de quando o vento real está mesmo de proa ou de popa). Em segundo lugar, à medida que o vento real se move em direção à popa a velocidade do vento aparente diminui. Em terceiro lugar, quando o vento real está à popa, uma pequena variação na direcção do vento real implica uma grande variação na direcção do vento aparente. Finalmente, em quarto lugar, quando o barco navega ao largo ou à bolina, o vento aparente é mais forte que o vento real.
O primeiro ponto é particularmente importante sempre que pensamos em cambar. Antes de efectuar a manobra é importante ter presente qual o ângulo do vento real e a sua diferença face ao vento aparente para termos uma ideia do ponto em que a vela “troca de bordo” bem como do novo rumo. Uma forma simples de o fazer é arribar até que o vento real e o vento aparente estejam alinhados (popa arrasada). Se por exemplo, arribámos 20º então para cambarmos e navegarmos num rumo equivalente mas no bordo oposto temos de orçar 20º após a cambadela.
O Segundo ponto – à medida que o vento real se desloca em direção à popa a força do vento aparente diminui – é óbvia se já observou um navio a navegar com o vento por trás. Estes, ao sair do porto, às vezes navegam à mesma velocidade e na mesma direcção do vento real. O fumo que sai das chaminés acompanha-os e permanece à volta do navio uma vez que o vento aparente é aproximadamente 0.
Esta redução de vento que se sente no convés bem como a diminuição de força nas velas pode levar ao engano ou esquecimento da verdadeira força do vento. Esta diferença torna-se evidente apenas quando se ronda uma bóia e se passa a navegar à bolina. Muitas vezes este esquecimento acontece se o vento aumentou lenta e progressivamente quando navegávamos à popa pelo que antes da passagem à bolina é preciso considerar a hipótese de rizar ou mesmo de trocar a vela de proa ainda com o barco a navegar à popa.
Digamos que o barco navega a 9 nós num vento de 16 nós. Se navega à popa arrasada, o vento aparente é igual ao vento real menos a velocidade do barco, ou seja apenas 7 nós. A força nas velas é relativamente pequena e no convés tudo está calmo e o vento parece fraco. Assim que o barco inicia uma bolina a velocidade pode reduzir para 6 nós, mas o vento aparente aumenta para 21 nós. À partida poderíamos assumir que, uma vez que o vento aparente é agora 3 vezes superior, este exerce igualmente 3 vezes mais força nas velas. A força do vento quadruplica quando a sua velocidade duplica! (o quadrado da velocidade). Neste caso a força do vento é 9 vezes superior no rumo fechado por comparação à navegação à popa e o barco poderá muito provavelmente estar a navegar com excesso de potência. Por isso é importante prever com antecedência esta situação e considerar uma redução de vela durante a navegação à popa.
O terceiro ponto apresentado nos diagramas diz respeito ao facto de que, quando navegamos à popa, uma pequena variação do vento real tem um grande impacto na direção do vento aparente (compare as figuras 2 e 3 com as figuras 4 e 5). No nosso exemplo, uma variação de 30º na direcção do vento real implica uma variação de 38º na direcção do vento aparente.
Comparando as figuras 4 e 5, abaixo, constatamos que uma variação de 16º no vento real gera uma alteração de 28º no vento aparente. Este é um dos motivos pelo qual navegar à popa é tão complicado. Uma pequena variação no vento real resulta numa grande oscilação do vento aparente.
Se esta variação implicar que o vento aparente muda um bordo ao outro do barco pode gerar oscilação e perda de controlo. Para os menos experientes pode mesmo levar a uma cambadela inesperada.
O quarto ponto estabelecia que quando um barco navega ao largo ou à bolina, o vento aparente é mais forte que o vento real. O barco está na realidade a “fabricar” o seu próprio vento. Nos barcos à vela sobre o gelo (“iceboating”) esta é a explicação das grandes velocidades que se conseguem atingir. Alguns destes barcos podem atingir velocidades 5 ou seis vezes superiores à velocidade do vento, conseguindo deslocar-se a 120 nós com ventos de 24 nós. Quanto mais depressa o barco se desloca maior a velocidade do vento que cria. Estas velocidades só podem ser atingidas devido à ausência de fricção. Num barco à vela normal a velocidade está desde logo limitada pela resistência exercida pelo casco na água pelo que não é possível aproveitar na íntegra este fenómeno.
No primeiro conjunto de diagramas, todas as variáveis permanecem constantes excepto a direcção do vento real, que se desloca mais em direção à popa em cada diagrama. Vamos agora alterar a velocidade do barco e a força do vento, mantendo a direcção do vento real a 45º da proa.
Note que na Figura 6 a velocidade do vento era originalmente de 10 nós e a velocidade do barco de 4 nós. A extensão ponteada na linha do vento real indica um aumento de 4 nós ou se quiser uma rajada. Na figura podemos constatar que “na rajada o vento desloca-se em direção à popa”. Para ser absolutamente correto, é necessário que a velocidade do barco permaneça constante. Na prática, o barco demora algum tempo a ganhar velocidade e quando tal acontece a rajada já passou pelo que a afirmação é verdadeira.
Já sabemos também que uma das formas de defesa contra uma rajada é orçar sempre que se é atingido por um aumento súbito de vento. A figura demonstra porque é que tal é verdadeiro. Quando a rajada atinge o barco, o vento aparente desloca-se no sentido da popa causando mais adernamento e alterando o ângulo de incidência nas velas. Por isso estas não estão corretamente mareadas, a menos que se orce ou se opte por folgar. Estas mudanças no vento aparente são importantes mesmo em dias de pouco vento. Quando se navega com uma brisa de 3 nós é possível que durante uma rajada o vento atinja o dobro da força. Quando o vento sopra a 15 nós as rajadas podem atingir 20-22 nós o que significa um terço mais. Assim, a alteração no vento aparente é maior em dias de vento fraco do que em dias de vento mais forte
As linhas a ponteado mostram a alteração no vento aparente quando o vento diminui subitamente. Com a velocidade do barco constante e a velocidade do vento a baixar para 6 nós, o vento aparente desloca-se para a vante.